
O que é a turbulência ?
Quem está acostumado com o assunto poderia responder sem pensar duas vezes: “são flutuações aleatórias da velocidade das partículas em um escoamento”. Pois, então, pensemos duas vezes: esta afirmação está apenas parcialmente correta. Na verdade, a compreensão atual desse fenômeno nos diz que, dependendo do escoamento e do fluido em questão, essas flutuações da velocidade das partículas, na realidade, não são aleatórias. Elas são apenas consideradas como aleatórias (uma hipótese) para fins de modelagem da turbulência.
As escalas de Kolmogorov são as escalas de dimensão, tempo e velocidade dos menores vórtices (flutuações de velocidade) encontrados um escoamento turbulento. A escala de dimensão pode ser determinada pela teoria de Kolmogorov, e é dependente unicamente de três grandezas: (1) a viscosidade cinemática (viscosidade dinâmica dividida pela massa específica do fluido), (2) a velocidade do escoamento livre e (3) a dimensão característica do objeto. Para um carro movendo-se a 100 km/h, a escala de Kolmogorov perto da janela do motorista é de aproximadamente 4,6e-06 m [1].
O movimento dos fluidos (forças e velocidades) pode ser previsto pelas equações diferenciais de conservação de massa e de quantidade de movimento (mais conhecidas como equações de Navier-Stokes, se tomarmos em conta certas hipóteses¹). Para que a modelagem de um escoamento por essas equações seja válida, o tamanho de cada volume finito utilizado para a discretização espacial do domínio fluido deve ser bem maior que o livre caminho médio entre as partículas. Este livre caminho médio (chamaremos de l.c.m.) é a distância média de deslocamento de uma molécula entre colisões com outras moléculas. Para o ar a 20°C, esta distância vale algo na ordem de 1e-07 m, dependendo do autor².
David C. Wilcox, em seu livro Turbulence Modeling for CFD [1], faz o cálculo: aquela escala de Kolmogorov na janela do carro é 72 vezes maior que o l.c.m. E também conlcui: “esta escala de Kolmogorov é, de fato, bem maior que o l.c.m. do ar”.
É isso, portanto, que nos leva à conclusão de que mesmo as menores escalas da turbulência, as menores flutuações das partículas (caracterizadas pelas escalas de Kolmogorov), são determinísticas para o ar sobre a janela de um carro a 100 km/h. Elas podem, sim, ser calculadas pelas equações de conservação. Essas flutuações e seus efeitos podem ser previstas por DNS (Direct Numerical Simulation), isto é, CFD sem o uso de modelos de turbulência. O limite de “calculabilidade” é o elevadíssimo custo computacional devido à necessidade de se usar um tamanho de malha da ordem dessas minúsculas flutuações.
Mas existe um porém: as leis de quantidade de movimento para os fluidos são caóticas. Essa característica vem da não-linearidade dessas equações, o que as torna extremamente sensíveis às condições iniciais do cálculo! A menor variação dessas condições iniciais pode provocar grandes desvios da solução ao longo da distância e do tempo. É o popularmente conhecido “efeito borboleta”.
A impossibilidade de medir ou de impor uma condição inicial física (real, em experimento) no nível das escalas de Kolmogorov para um problema como o do escoamento sobre um carro leva também à impossibilidade de prever o comportamento do escoamento a nível dessas pequenas escalas. Então, como essas pequenas flutuações não podem ser previstas para um problema real, eis a razão que nos leva a tratar a turbulência como um fenômeno aleatório e por uma abordagem estatística³, embora ele seja (pelo menos nesse exemplo do carro) determinístico, na realidade!
Leitura aconselhada: Teoria do Caos.
[1] página 9 de WILCOX, DAVID C. Turbulence Modeling for CFD. Second edition. Anaheim: DCW Industries, 1998. 540 p.
[2] página 9 de CORRE, CHRISTOPHE. Écoulements Compressibles. Année universitaire 2010-2011. Grenoble: Grenoble INP ENSE³, 2011. 225p.
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¹ Escoamento de fluido newtoniano (viscosidade dinâmica constante) e – segundo alguns autores – incompressível (massa específica) constante.
² Wilcox [1]: 6,3e-08 m ; C. Corre [2]: 9,7e-08 m.
³ Todo escoamento turbulento é não-estacionário. A abordagem estatística permite o cálculo dos campos médios. Para cálculos permanentes, isso é feito através das equações ditas RANS (Reynolds Averaged Navier-Stokes Equations) e de seus diferentes modelos de turbulência. Para cálculos não-estacionários, através das URANS (Unsteady RANS) como, por exemplo, na nova e promissora SAS (Scale-Adaptive Simulation); ou por LES (Large Eddy Simulation). Um cálculo permanente supõe que as flutuações das grandezas são em pequena escala enquanto os camposmédios não variam com o tempo (exemplo: escoamento plenamente desenvolvido em uma tubulação). Cálculos não-estacionários fazem a solução evoluir no tempo, permitindo a formação deflutuações de campos médios (exemplo: desprendimento de vórtices na esteira do escoamento sobre um cilindro).
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